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Riesling e o aroma a petróleo

Manuel Moreira • dez. 28, 2021

Para os seus apreciadores o “petróleo” é atributo inevitável e que soa, ao descrevê-lo, a especialista. Para outros, em especial enólogos, pode indicar falha. 

Haverá poucos descritores aromáticos dos vinhos que geram tanta discórdia como o aroma a “petróleo” ou a “querosene”. É nos vinhos da casta Riesling onde se aplica geralmente esse descritor.


Mas afinal, esse aroma a “querosene” /”petróleo” sente-se realmente? A resposta é sim!


O responsável é um composto aromático chamado - 1,1,6-Trimethyl-1,2-dihydronaphthalene-, TDN para abreviar. É o que pode dar o aroma semelhante ao querosene nos vinhos.  


A sua formação depende da presença de compostos não voláteis chamados carotenoides, existentes em muitas espécies vegetais. Nas uvas identificaram-se uma dúzia destes, divididos em duas categorias: carotenos (que incluem beta-caroteno) e xantofilas. Os frutos, na sua etapa inicial, vão acumulando estes compostos. Mais tarde, a partir da fase do “pintor” (quando os bagos passam do verde para a cor “vermelha”, nos tintos, e para as tonalidades “amareladas” dos bagos brancos), esses compostos decompõem-se e formam moléculas menores chamadas norisoprenóides em C13.


Estes, em combinação com os TDN, colam-se às moléculas de açúcar, produzindo uma reserva de sabor que se solta lentamente. O TDN pode surgir durante a armazenamento, apesar de que quando formado, mantendo-se estável no vinho.


Sabe-se que a maior quantidade de carotenoides nas uvas Riesling levam a níveis mais altos de TDN no vinho final. E no processo de envelhecimento em garrafa, os vinhos de Riesling podem apresentar níveis até seis vezes mais do que outras variedades. O Chardonnay também apresenta TDN, mas em níveis mais diminutos, abaixo de 2ug/L que é o limiar sensorial de TDN no Riesling. 


Os cientistas e investigadores descobriram que os carotenoides podem estar presentes em concentrações até oito vezes mais nas folhas da videira e três vezes mais nas peles de uva quando comparados com a polpa do bago.

 

 

Fatores que contribuem para o desenvolvimento do TDN


Ainda não foram plenamente identificadas as razões que levam á produção de maiores concentrações de TDN na Riesling. Na busca de uma resposta, os estudos têm tido como alvo a exposição solar, a temperatura do cacho, o amadurecimento das uvas, o stress hídrico, níveis de nitrogênio no solo, o envelhecimento, temperatura de armazenamento, pH do vinho e estirpes de levedura.

 

A exposição solar, o factor-chave


De longe, o fator mais estudado e aceite para o desenvolvimento de TDN é a exposição solar. Vários estudos científicos mostraram que concentrações mais elevadas de TDN e seus precursores são encontradas em vinhos feitos de uvas expostas ao sol.


Em alguns estudos foram medidas as concentrações de TDN em Riesling em níveis crescentes de exposição solar. Descobriu-se que qualquer coisa acima de 20% de exposição solar total no cacho de uvas a partir do “pintor”, aumenta os níveis de TDN.


Este aumento na concentração relacionada com a exposição ao sol, provavelmente, ocorre devido aos carotenóides ajudarem o tecido da uva a se proteger da luz ultravioleta.


Outro estudo, referente a Riesling produzido nos EUA - na região Finger Lakes NY - apontou um período chave na estação de crescimento quando os carotenóides se desenvolvem devido à exposição ao sol. A temperaturas mais baixas, sua formação é fortemente reduzida.


Pode-se, também, considerar a criação de sombra nos cachos ou apanhar as uvas um pouco mais cedo para reduzir a quantidade de TDN no vinho.


Hoje em dia, o TDN é uma grande preocupação para os produtores de vinho na Alemanha, pois têm vivido verões mais quentes e secos. Alguns têm experimentado diferentes abordagens na operação de desfolha ((intervenção de retirar folhas para aumentar o arejamento e a exposição ao sol dos cachos, permitindo melhorar a coloração e a maturação dos bagos, em boas condições sanitárias), como forma de diminuir o risco de TDN, com o qual estão muito preocupados. Passaram a desfolhar por etapas, faseadamente.


Deixam ficar algumas folhas externas como uma espécie de guarda-chuva, e retiram apenas as folhas internas, para criar fluxo de ar, mantendo alguma sombra.

À medida que os bagos amadurecem, os precursores da TDN naturalmente aumentarão a concentração. As uvas expostas ao sol terão um acumulado de TDN mais rápido do que as uvas ensombradas.


Eventualmente em climas mais quentes, os vinhos mais jovens podem desenvolver o aroma inebriante do TDN que pode dominar os aromas delicados de um Riesling jovem e perturbar a harmonia do vinho.


Significa que o TDN pode ser usado como uma ferramenta para diferenciar se um determinado vinho Riesling foi feito com uvas de climas mais quentes ou mais frios.


Por exemplo, o Riesling australiano pode muitas vezes ter níveis mais altos de TDN mesmo em vinhos jovens. Tipicamente os níveis de TDN para Rieslings europeus seriam de 1-50 μg/l, mas o Riesling australiano pode ter níveis tão altos quanto 250 μg/l, e às vezes até mais altos.


No entanto, as concentrações de TDN também podem ser aumentadas, ou reduzidas, por outros fatores durante o processo de vinificação.


De acordo com um estudo (Sponholz e Hühn 1997), a atividade de diferentes estirpes de levedura mostrou ter pouco efeito sobre os níveis de TDN no Riesling de Rheingau.


A oxidação também pode ter um papel nesta questão. Em alguns casos, mostrou contribuir para um aumento na TDN; em outros casos, constatou-se que altos níveis de oxidação em vinhos fortificados diminuíram severamente os níveis de TDN.


Também o pH é relevante, tendo ficado demonstrado que vinhos mais ácidos desenvolveram TDN mais rapidamente do que outros.


Noutro estudo, foi demonstrado que um conteúdo elevado de SO2 livre no vinho pode ter um certo efeito de encobrir a perceção do aroma de TDN.


Olivier Humbrecht, reputado enólogo e produtor alsaciano, refere que os aromas como a gasolina podem ser causados pela colheita de uvas insuficientemente maduras, colheita mecanizada e elaboração em "redução”, levando a uma diminuição nos aromas frutados, confundindo-se como gasolina.


A vinificação em “redução” refere-se ao processo de vinificação em ambiente privado de oxigénio (aço inoxidável ou carvalho velho), mau uso do enxofre e/ou vinho deixado sobre as borras.

Para ele, um bom enólogo pode evitar tudo isso, e que um jovem Riesling nunca deve cheirar a gasolina. Para ele, o termo “gasolina”, “petróleo”, “querosene” em Riesling maduro é mal escolhido. Ao invés disso, os termos deveriam ser "pedra molhada, minerais, ar marinho, iodo".


Stress Hidrico e Azoto no Solo


Embora o estresse hídrico não seja diretamente responsável, constatou-se que a desidratação parcial da zona radicular tem um efeito indireto na produção de TDN: reduz o tamanho da canópia e, portanto, aumenta a penetração da luz solar.


A deficiência de azoto no solo também tem sido estudada como uma possível causa para níveis elevados de TDN. Estudos têm colocado a hipótese de que a fertilização tem um efeito ao encorajar mais cobertura foliar e sombreamento dos cachos.


Vedantes

A escolha do vedante também é um fator significativo. Quando os investigadores da AWRI - Australian Wine Research Institute - estudavam a capacidade de cinco tipos diferentes de vedantes para absorver diferentes compostos de aroma/ sabor, descobriram que o TDN era o mais afetado. O estudo mostrou que os vedantes de cortiça e sintéticos absorviam mais de 50% do TDN presente num vinho com dois anos em garrafa. Verificou-se que os vinhos sob tampa de rosca (screwcap) não 'perderam' nenhum TDN.


Conservação e Temperatura


Agora é admitido que as concentrações de TDN aumentam com o tempo em garrafa, durante o envelhecimento.  A temperatura da cave ou do armazenamento é, assim, fator relevante. Num estudo, constatou-se que amostras de vinho armazenadas a 30°C apresentaram aumentos bem superiores em TDN do que os encontrados nas garrafas armazenadas a 15°C.


Além disso, foi estudada a influência da temperatura de serviço de vinho na identificação de notas de “querosene/gasolina”. Foi constatado que uma temperatura de serviço de vinho mais baixa (cerca de 11 °C) facilitava a reconhecimento do aroma TDN em comparação com as mesmas amostras de vinho à temperatura ambiente


Fontes:

Introducing TDN, a compound responsible for petrol aromas in Riesling and other white wines – wineanorak.com

 Petrol aroma in Riesling: what the TDN?! (wordonthegrapevine.co.uk)

Ask Sid: What is TDN in Riesling? - IWFS Blog

https://www.awri.com.au/wp-content/uploads/Sept-Oct-2012-AWRI-Report.pdf


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